quinta-feira, 27 de maio de 2010

Heitor Saldanha...cem anos





Hoje enquanto tiver dinheiro beberei
Depois entregarei ao garçom meu relógio de pulso
meus carpins de nylon
meus óculos de tartaruga (que nome bonito)
minha caneta tinteiro
e continuarei bebendo bebendo
sem literatura sem poema sem nada.
Só.
Como se o mundo começasse agora.
Estou nesses conscientes estados de alma
em que não posso me salvar
e nem salvá-la.


ANDAMENTO
De que estarei me despedindo hoje?
Há em mim uma clara ressonância de despedida.
Mas não devo saber, nem é preciso saber.
Creio que vim pra dizer
um dia na cara do mundo:
hoje estou me despedindo.
E as criaturas boas do meu sangue
abririam a boca
que lhes cortasse o ímpeto inexpresso.
Claro que estou me despedindo.
Hoje sou mais criança do que nunca.

Heitor Saldanha (Cruz Alta 1910 - Porto Alegre 1986). Poemas extraídos do livro A Hora Evarista, Instituto Estadual do Livro, Editora Movimento, Porto Alegre, 1974. Desenho do escritor feito pelo grande artista plástico francês Michel Drouillon. Publicado no fascículo sobre o poeta da série Autores Gaúchos, do Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1984.

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