quinta-feira, 27 de maio de 2010

Simplesmente....Whitman


"Esta manhã, antes do alvorecer, subi numa colina para admirar o céu povoado,
E disse à minha alma:
Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?
E minha alma disse:
Não, uma vez alcançados esses mundos prosseguiremos no caminho."



Walt Whitman
Eis um poeta por inteiro. Dono de um talento para o verso livre, que canta o cotidiano dos comuns e inebria o universo poético com um lirismo revolucionário, que o transformaram num dos mais célebres poetas da história universal.
Sua obra maior, "Folhas de Relva" é, indubitavelmente, um dos maiores premios que recebemos, enquanto leitores. Uma obra das maiores, nas páginas da literatura universal. Whitman é pleno, pinça os ideais de democracia abertamente até penetrar, conscientemente na alma de seus apreciadores. Seguiu seu caminho incólume, sem seguir os preceitos literários e cartilhescos da Europa. Seu estilo era próprio...e se consagrou como a maior expressão da poesia universal...certamente. "Não se vê e nem se reconhece, nem mesmo na língua portuguesa, alguém que lhe roube esta posição, mesmo porque foi ele o precursor de uma corrente que se instalou nos Estados Unidos, ramificando por todos os cantos." afirmou José Roberto Guedes de Oliveira.
O legado e influências de Whitman
“Com Folhas de Relva, pode ser considerado um dos mais importantes precursores da poesia moderna e, sem dúvida, um dos pouquíssimos autores do século XIX a libertar-se, na América, dos modelos europeus. Guardadas as distinções peculiares, os escritores dos Estados Unidos viviam, até Walt Whitman, a mesma contradição que os autores brasileiros experimentavam até Machado de Assis e Mário de Andrade, um hibridismo cultural que consistia em revestir os temas nacionais de códigos europeus, formas esvaziadas de sentido, deslocadas de seu processo social”. (poeta Luciano Alves Meira)
Folhas de Relva
Luiz Girón, escritor, aborda a amplitude deste livro:
“O fato de o poeta Walt Whitman (1819-1892) figurar como um dos vultos nacionais americanos prejudicou sua recepção na América Latina. O patriotismo, porém, é o traço menos interessante de sua obra. O que importa é a revolução nas letras que seu livro de estréia desencadeou. Folhas de Relva (Leaves of Grass), lançado em 1855 em edição do autor, pode ser definido como a primeira manifestação modernista, muito antes da dos fundadores oficiais da vanguarda moderna, Arthur Rimbaud (Uma Temporada no Inferno, 1871) e Stéphane Mallarmé (Um Lance de Dados, 1897). Folhas de Relva é uma erupção cósmica do verso livre. Whitman reescreveu e acrescentou poemas no volume até o fim da vida. Realizou, assim, o sonho de Mallarmé de traduzir em poesia um livro que representasse o mundo. Como escreveu Jorge Luis Borges num poema, Whitman tomou a decisão, numa redação de jornal do Brooklyn, em Nova York, de ser todos os homens "e de escrever um livro que seja todos". A voz lírica se despersonaliza para comungar com a vida e se transformar em tudo ao mesmo tempo: homens, máquinas, natureza e tempo. Ler Folhas de Relva se parece com levar um empurrão e ser jogado no olho da rua, no meio da pulsação do Universo”.
O estranho sonho de Lincoln
O escritor e pensador Voltaire Shilling aborda um fato singular da vida norte-americana: um sonho que o então presidente Abraham Lincoln teve sobre sua própria morte.
Lincoln, morto na hora da vitória.
Uns dias antes de ser baleado, o Presidente Lincoln, que estava longe de ser o caipira santarrão da lenda popular, contou a seu secretário John Hay um estranho sonho. Na verdade, um pesadelo. Nele vira várias pessoas correndo em direção ao Salão Leste da Casa Branca, onde foi encontrar seu próprio corpo estirado e ouviu vozes dizendo "Lincoln está morto. Nas vésperas do atentado, na noite de 13 de abril de 1865, teve ainda um outro. Aparecia como o comandante de um navio que, em meio a uma tormenta, se aproximava do porto de destino, mas sua sensação é que não concluiria a viagem.

A morte do capitão
Não faço a mínima idéia de como o poeta Walt Whitman tomou conhecimento desse sonho, mas serviu de mote para que compusesse uma das mais belas elegias da língua inglesa moderna. O poeta se coloca como integrante da tripulação de um barco que, depois de terríveis desafios - a dolorosa guerra civil entre o Norte e o Sul, de 1861 a 1865 - consegue finalmente se aproximar do cais. Mas, justamente no momento da euforia, verifica que o capitão sucumbira repentinamente. Lá estava ele envolto em gotas de sangue vermelho: "Where on the deck my Captain lies / Fallen cold and dead." Por mais que tente reanimá-lo, não mais lhe responde. Não escuta mais a multidão que exulta lá fora. Ignora o toque dos clarins e os ramalhetes de flores, nem vê a bandeira içada em sua honra. Enquanto o povo ainda desconhece o ocorrido e comemora o fim da aventura, o poeta-marinheiro Whitman anda com tristeza pelo convés onde jaz seu capitão, caído, frio e morto.
Oh Capitão! Meu Capitão!
Ó capitão! Meu capitão! terminou a nossa terrível viagem,
O navio resistiu a todas as tormentas, o prêmio que buscávamos está ganho,
O porto está próximo, ouço os sinos, toda a gente está exultante,
Enquanto segue com os olhos a firme quilha, o ameaçador e temerário navio;
Mas, oh coração! coração! coração! Oh as gotas vermelhas e sangrentas,
Onde no convés o meu capitão jaz,
Tombado, frio e morto.
Ó capitão! meu capitão! ergue-te e ouve os sinos;
Ergue-te – a bandeira agita-se por ti, o cornetim vibra por ti;
Para ti ramos de flores e grinaldas guarnecidas com fitas – para ti as multidões nas praias,
Chamam por ti, as massas, agitam-se, os seus rostos ansiosos voltam-se;
Aqui capitão! querido pai!
Passo o braço por baixo da tua cabeça!
Não passa de um sonho que, no convés,
Tenhas tombado frio e morto.
O meu capitão não responde, os seus lábios estão pálidos e imóveis,
O meu pai não sente o meu braço, não tem pulso nem vontade,
O navio ancorou são e salvo, a viagem terminou e está concluída,
O navio vitorioso chega da terrível viagem com o objetivo ganho:
Exultai, ó praias, e tocai, ó sinos!
Mas eu com um passo desolado,
Caminho no convés onde jaz o meu capitão,
Tombado, frio e morto"
(Tradução de Maria de Lurdes Guimarães)

O Captain! My Captain!
O Captain! my Captain! our fearful trip is done, The ship has weather'd every rack, the prize we sought is won, The port is near, the bells I hear, the people all exulting, While follow eyes the steady keel, the vessel grim and daring; But O heart! heart! heart!O the bleeding drops of red,Where on the deck my Captain lies, Fallen cold and dead.
O Captain! my Captain! rise up and hear the bells;Rise up--for you the flag is flung--for you the bugle trills,For you bouquets and ribbon'd wreaths--for you the shores a-crowding,For you they call, the swayingmass, their eager faces turning;Here Captain! dear father!This arm beneath your head!It is some dream that on the deck,You've fallen cold and dead.
My Captain does not answer, his lips are pale and still, My father does not feel my arm, he has no pulse nor will, The ship is anchor'd safe and sound, its voyage closed and done, From fearful trip the victor ship comes in with object won; Exult O shores, and ring O bells!But I with mournful tread,Walk the deck my Captain lies, Fallen cold and dead.
Whitman por ele mesmo, notas biográficas
Nascido em 31.05.1819, em West Hills, Long Island, Estado de New York e falecido em 26.03.1892, em Camden, Estado de New Jersey, aos 73 anos de idade.
Seus pais: Walter Whitman e Louisa Van Velsor Whitman. Viveu na sua cidade natal até os 4 anos de idade. Depois a família mudou-se para o Brooklin.
Trabalhou de 1831 a 1834, em escritório de advogado, consultório médico e como aprendiz de tipógrafo.
Em 1836, com 17 anos de idade, inicia a carreira jornalística, no famoso jornal Mirror, em New York.
Por volta de 1838, trabalha como professor em Suffolk (Virgínia) e Queens (New York). Publica o semanário The Long Islander, em Hungtington. Logo em seguida, colabora com o jornal New World.
De 1846-1847 dirige o jornal Brooklyn Daily Eagle.
Em 1848 dirige-se para o sul, passando por Ohio, Mississippi e New Orleans. Passa a construir casas e vendê-las.
Em 1849, torna-se delegado à convenção que formalizou a candidatura de Van Buren à Presidência dos Estados Unidos.
Aos 36 anos de idade, em 1855, publica a primeira edição da sua monumental obra Folhas de Relva (com 12 poemas e sem o nome do autor). Morreu o seu pai.
Em 1856 sai a 2ª. edição do livro, já com 384 páginas(com capa e nome do autor).
Em 1860, a 3ª. edição de Folhas de Relva, com cerca de 456 páginas (o livro é pirateado).
Com o início da Guerra de Secessão, em 1861, trabalha como enfermeiro nos hospitais de campanha, atendendo os feridos de combates.
Em 1865, com a rendição do General Lee, é conduzido a cargo de governo.
Em 1867, sai a 4ª. edição de Folhas de Relva.
Em 1871, a 5ª. edição do livro.Sofre a 1ª paralisia. Morre a sua mãe.
Em 1873 está em Philadelphia, agravado em sua saúde. Não se adapta e transfere-se para a casa de seu irmão, em Camden, permanecendo lá por cerca de 15 anos. Sai a 6ª. edição da obra.
Em 1877, conhece Maurice Bucke.
Em 1881, a 7ª. edição, publicada em Boston.
Em 1882, Folhas de Relva é publicado em Philadelphia, sendo a 8ª. edição. Conhece Oscar Wilde.
Em 1888, sofre a 2ª paralisia parcial, agravando-se a sua saúde.
Em 1891 revê, pela 9ª vez, a sua obra. Último toque seu, pouco antes de falecer. Nos últimos anos de vida, em completa pobreza, foi auxiliado por seus amigos americanos e europeus.



Heitor Saldanha...cem anos





Hoje enquanto tiver dinheiro beberei
Depois entregarei ao garçom meu relógio de pulso
meus carpins de nylon
meus óculos de tartaruga (que nome bonito)
minha caneta tinteiro
e continuarei bebendo bebendo
sem literatura sem poema sem nada.
Só.
Como se o mundo começasse agora.
Estou nesses conscientes estados de alma
em que não posso me salvar
e nem salvá-la.


ANDAMENTO
De que estarei me despedindo hoje?
Há em mim uma clara ressonância de despedida.
Mas não devo saber, nem é preciso saber.
Creio que vim pra dizer
um dia na cara do mundo:
hoje estou me despedindo.
E as criaturas boas do meu sangue
abririam a boca
que lhes cortasse o ímpeto inexpresso.
Claro que estou me despedindo.
Hoje sou mais criança do que nunca.

Heitor Saldanha (Cruz Alta 1910 - Porto Alegre 1986). Poemas extraídos do livro A Hora Evarista, Instituto Estadual do Livro, Editora Movimento, Porto Alegre, 1974. Desenho do escritor feito pelo grande artista plástico francês Michel Drouillon. Publicado no fascículo sobre o poeta da série Autores Gaúchos, do Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1984.